tag:blogger.com,1999:blog-86183070558229056602024-02-18T23:06:32.490-08:00Utilidade PúblicaNunca ninguém me ensinou a pensar, a escrever ou a desenhar, coisa que se percebe facilmente, examinando qualquer dos meus trabalhos. (Millôr Fernandes)Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.comBlogger36125tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-43581596552820955402014-08-02T22:14:00.001-07:002014-08-02T22:22:14.843-07:00Bahia<div style="text-align: right;">
<i>O que eu herdei de minha gente eu nunca posso perder.</i></div>
<div style="text-align: right;">
<i>(Caetano Veloso)</i></div>
<div style="text-align: right;">
<i><br /></i>
<div style="text-align: left;">
<i>Para Etumerina</i></div>
<div style="text-align: left;">
<i><br /></i></div>
</div>
Bahia, de todos os santos<br />
És o mais bem habituado<br />
Renomado, consagrado<br />
Habitado, batizado<br />
Pelo mar, denominado<br />
Bahia.<br />
Dos nossos santos<br />
E não cabe somente neles<br />
O teu céu, e és o prazer daqueles<br />
Que vêm em terra, porque deles<br />
É o sabor do teu sal e eles<br />
Te devoram por ser<br />
Bahia.<br />
<br />
És o santo<br />
Da terra<br />
<br />
De todos.<br />
<div>
<br /></div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-59823552620625017312014-07-02T14:04:00.002-07:002014-07-02T14:17:26.598-07:00O homem sentado<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Ainda vão me matar numa rua</span></i></div>
<div style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Quando descobrirem,</span></i></div>
<div style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">principalmente,</span></i></div>
<div style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">que faço parte dessa gente</span></i></div>
<div style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">que pensa que a rua</span></i></div>
<div style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">é a parte principal da cidade.</span></i></div>
<div style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">(Leminski)</span></i></div>
<br />
O homem estava sentado. Por minutos a fio o homem permanecera sentado, com as mãos segurando o queixo e o os olhos vidrados na rua. A rua, em pé, corria. De ambos os lados, dum lado pro outro, fazendo o barulho de milhares de rodas, línguas e almas. O homem não ouvia. Pela primeira vez em anos estava sentado de frente para a rua, os olhos abertos a boca fechada. A rua o engolia sem atentar para ele. O homem sugava a rua. Sentado como nunca antes, o homem sorria. A rua não. Dura, horizontal e fria continuou séria. Não era do homem, ele era dela.</div>
<div style="text-align: justify;">
O homem sentado sentiu no bolso do paletó o chamado: levanta-te e anda. Seus pés obedeceram de pronto, ele não. A rua passava. O homem estava de pé, ainda que não percebesse. O homem estava atrasado mas queria alcançar a rua. Amava a rua. Amava quem ela era, quem era dela. Queria ser também. Queria ser os pés que nela andavam e as cabeças que nela dormiam. Por anos estivera de pé entre quatro paredes e doze andares sem que pudesse obtê-la. Só quando parou e sentou é que chegou até ela. Agora estava novamente em pé, mas, mais do que isso, de pé em frente a rua.</div>
<div style="text-align: justify;">
É sua, vai buscar! Ele foi. O homem perseguiu a rua e entrou nela como se achasse a saída. O homem encheu os olhos de água; estava em pé mas estava na rua. A rua impassível não ia deixar que ele passasse. O homem em pé ousou mais do que ela permitiria. A rua era um milhão ele era um. Era um homem em pé. O homem em pé beijou a rua. A rua reagiu, severa. A rua castigou o homem em pé. O homem estava deitado.</div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-53457986223739198042014-06-25T17:02:00.001-07:002014-06-25T17:12:53.207-07:00Desfavelado<div>
<div style="text-align: right;">
<div class="MsoNormal">
<i>Me firmo, triste e chateado</i></div>
<div class="MsoNormal">
<i> Desfavelado.</i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>(...) </i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Antes que me urbanizem a régua, compasso,</i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>computador, cogito, pergunto, reclamo:</i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Por que não urbanizam antes</i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>a cidade?</i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Era tão bom que houvesse uma cidade</i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>na cidade lá embaixo.</i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>(Favelário Nacional - Carlos Drummond de Andrade)</i></div>
</div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Melhor descer, lhe diziam. Aqui em cima tu não consegue nada. Lá embaixo é que é. Tem emprego, tem escola, tem grana. Tem futuro, tem mulher, tem gana. Tem honestidade e religião. Tem rosto, tem voz, tem nome. Aqui cê vive de nada em nada, boca em boca, fome em fome. Cê pisa no mato, na terra, no esgoto. Ninguém bebe a tua lágrima nem ri teu sorriso. Teu cheiro ninguém cheira e teu nome ninguém sabe. Teu samba ninguém ginga e tua boca ninguém abre. Ninguém apaga teu barraco quando pega fogo, ninguém te enxuga quando vem enchente. Aqui cê não tem ninguém nem nada. Lá embaixo é que tem gente. Cê nasceu no lado errado, ouvia. Aqui em cima tem preto, tem noite e faz frio. Tu é claro, moleque, que nem o dia. Desce que aqui tu não encontra saída. Lá embaixo tem mãe, tem pai, tem comida. Lá é que tem gente de verdade e tem vida.</div>
<div style="text-align: justify;">
Desceu. Desceu do morro e foi pra baixo como a casa de dona Maria sempre ia na chuva. Andou lá por baixo como cão que cai do caminhão de mudança. Quis latir, abafaram. Quis chamar, não ouviram. Quis gritar e barraram. Aqui embaixo cê tenta e não consegue, ouvia. É tristeza, é cruel, é dureza João. É sempre sem fundo. Cê enta escalar mas vai pra baixo. Pra baixo dos toldos, paredes, encanamentos. Sob os pés dos outros, sobre os joelhos próprios. Aqui embaixo ninguém te levanta a voz e os olhos. Ninguém chora tua dor nem te faz alegria. Chorar é para os fracos, e todos choram. Melhor ir chorando moleque, lhe diziam. Aqui embaixo tu não é nada.</div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-17370686882044418442014-03-05T14:17:00.000-08:002014-03-16T10:36:02.027-07:00A quem interessar poça<div style="text-align: right;">
<i>Para Ivan Calaça </i> </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nos trigésimos andares</div>
<div style="text-align: justify;">
As almas, pilares</div>
<div style="text-align: justify;">
Dos crânios sobrepostos</div>
<div style="text-align: justify;">
Em capas, aposto</div>
<div style="text-align: justify;">
Nas vozes compridas</div>
<div style="text-align: justify;">
Cumpridas, detidas</div>
<div style="text-align: justify;">
Pela chuva caindo</div>
<div style="text-align: justify;">
Subindo, subindo</div>
<div style="text-align: justify;">
Desde o Tietê</div>
<div style="text-align: justify;">
(Vai você, vai você!)</div>
<div style="text-align: justify;">
Salvar a trouxa de roupas</div>
<div style="text-align: justify;">
Tão soltas, tão frouxas</div>
<div style="text-align: justify;">
Flutuando nas poças</div>
<div style="text-align: justify;">
Tão fundas, tão nossas</div>
<div style="text-align: justify;">
Com os pés chapinhando</div>
<div style="text-align: justify;">
Gemendo, cantando</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma ópera fria</div>
<div style="text-align: justify;">
Cansada, vazia</div>
<div style="text-align: justify;">
No vazio desses quartos</div>
<div style="text-align: justify;">
Entulho, pedaços </div>
<div style="text-align: justify;">
Da madeira do teto</div>
<div style="text-align: justify;">
Tijolo, concreto</div>
<div style="text-align: justify;">
Sobre as pernas e os braços</div>
<div style="text-align: justify;">
Esboços, fracassos</div>
<div style="text-align: justify;">
Da cidade inteira</div>
<div style="text-align: justify;">
Marginal e ladeira </div>
<div style="text-align: justify;">
Sofrimento do mundo</div>
<div style="text-align: justify;">
(Tão fundo, tão fundo...)</div>
<div style="text-align: justify;">
Como monstros ilhados</div>
<div style="text-align: justify;">
Janelas, telhados</div>
<div style="text-align: justify;">
E o tudo nadando</div>
<div style="text-align: justify;">
Sofrendo, boiando</div>
<div style="text-align: justify;">
E pedindo socorro</div>
<div style="text-align: justify;">
(O morro! O morro!)</div>
<div style="text-align: justify;">
Devagar desabando</div>
<div style="text-align: justify;">
E mexendo, pesando</div>
<div style="text-align: justify;">
Nem se chega ao final</div>
<div style="text-align: justify;">
Se dá mal, se dá mal</div>
<div style="text-align: justify;">
Só sofre de enchente</div>
<div style="text-align: justify;">
(E a gente? E é gente?)</div>
<div style="text-align: justify;">
Nessa chuva levada</div>
<div style="text-align: justify;">
Vai ingrata, errada</div>
<div style="text-align: justify;">
Que despreza a seca</div>
<div style="text-align: justify;">
Lá foge, não chega</div>
<div style="text-align: justify;">
E aqui é um sufoco</div>
<div style="text-align: justify;">
Tanto só pra um pouco</div>
<div style="text-align: justify;">
Com água até o pescoço</div>
<div style="text-align: justify;">
(De novo, de novo...)</div>
<div style="text-align: justify;">
A escalar toda vida</div>
<div style="text-align: justify;">
Sem ajuda, subida</div>
<div style="text-align: justify;">
E não há quem socorre</div>
<div style="text-align: justify;">
Nem nasce, já morre</div>
<div style="text-align: justify;">
Como quem não resmunga</div>
<div style="text-align: justify;">
Nem respira, afunda </div>
<div style="text-align: justify;">
Insanamento básico</div>
<div style="text-align: justify;">
Em descaso apático</div>
<div style="text-align: justify;">
Se esgueirando de lado</div>
<div style="text-align: justify;">
Nesse mundo encharcado</div>
<div style="text-align: justify;">
Pra morrer em segredo</div>
<div style="text-align: justify;">
Ensopado, mas seco.</div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-39267425044998554242013-05-29T20:35:00.000-07:002013-05-29T22:52:16.277-07:00Haikai dos senhorezinhos que tomam o ônibus às 18 horas<div style="text-align: justify;">
Todos os mapas da cidade</div>
<div style="text-align: justify;">
Riscados nas rugas dos rostos</div>
<div style="text-align: justify;">
Dos locais senhores de idade.</div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-37156510851842184812013-05-26T17:25:00.000-07:002018-05-23T15:36:52.006-07:00Fale ao motorista somente o indispensável<div style="text-align: justify;">
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;"> O
crachá ia do lado direito do peito com as letras todas maiúsculas.
Era preferível assim, já que os passageiros podiam olhar pelo
retrovisor pra se certificarem enquanto se balançavam nos assentos. Eles nunca
se certificavam. Vinte e sete anos, nenhuma checagem. Pelo menos nenhuma de que
ele se lembrasse. Uma única vez um conhecido o chamara pelo nome e ele nem se lembrava
de qual conhecido era. No restante do tempo era só o Motorista.</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;"> Não importavam as pessoas nem os lugares, sotaques, estados de espírito. O modo
como todos o chamavam de motorista pelas costas deixou de
incomodá-lo depois de algum tempo. Era isso o que ele era. O motorista. Pronto
para guiar, ultrapassar, diminuir, parar. Antes, com tal zelo, sempre e tanto,
sem nunca deixar de ser mais do que o homem do volante, o senhor da estrada
contido em um nome comum, plural, fácil.</span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;"> Difícil de pronunciar parecia ser o agradecimento que nunca vinha. Não
que ele esperasse vir nem que não esperasse. Já tinha passado da idade de
esperar qualquer coisa além do dia da folga. Era o motorista. Se olhando no
espelho era só o que via. Não era o único. Seguia sendo o motorista, seguindo
sempre a estrada, sem agradecimento, sem nome, sem rosto que não fosse o seu.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;">
Barulho. O período da tarde era o pior
já que o sol batia na cara de todos e ninguém se lembrava de dormir. Falavam.
Acordados no ônibus cheio, os passageiros se rebelavam contra as dormências do
corpo castigando os músculos da boca, gastando saliva uns com os outros. Não
com ele, nunca com o motorista. Mas deixar de escutar ele não podia. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;"> Escutou até o penúltimo ponto. Em meio aos discursos restantes o sinal de
parada foi dado. O ônibus parou e as portas se abriram daquele modo que só elas
sabem. Lentamente, com calma, preparando quem fosse descer. Ninguém desceu. Ele
olhou para trás e não conseguiu ver, em meio aos passageiros, quem se
voluntariasse a sair. Só conseguiu ouvir. Do meio do ônibus vinha o lamento da
mulher que pedia, quase implorando, que o filho fosse com ela. O menino se
recusava, bradando algo que se referia ao homem do volante. "Deixa!"
sugeriram. A mãe deixou. Pelo retrovisor ele observou o menino se
aproximar, aos pulos, dizendo algo que ele demorou em entender.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;"> - Obrigado motorista! </span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;"> Silêncio interno. Sai o menino. O ônibus volta a rodar. O crachá vai do lado
direito do peito mas ele não consegue mais divisar as letras. Sabe o que é e se
orgulha. Não precisa saber mais nada. É o motorista. Só isso.</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
</div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-23350811159894257452013-01-17T18:12:00.002-08:002013-07-25T22:42:21.038-07:00Cafezinho<div style="text-align: justify;">
O café bem coado,</div>
<div style="text-align: justify;">
O tempo bem passado</div>
<div style="text-align: justify;">
E eu bem acordado</div>
<div style="text-align: justify;">
Pra te ver quando entrar.</div>
<div style="text-align: justify;">
O café adoçado,</div>
<div style="text-align: justify;">
O tempo afobado</div>
<div style="text-align: justify;">
E eu desesperado</div>
<div style="text-align: justify;">
Sem poder te enxergar.</div>
<div style="text-align: justify;">
O café tá gelado,</div>
<div style="text-align: justify;">
Eu já tô atrasado</div>
<div style="text-align: justify;">
E a conta ali ao lado</div>
<div style="text-align: justify;">
Faz favor de pagar.<br />
<br />
<br /></div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-52929465050931675392013-01-02T19:26:00.000-08:002013-05-16T20:41:22.234-07:00Pudera eu<span style="font-family: inherit;">Ai se eu só pudesse,</span><br />
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Se a gente viesse<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">A se ver sem motim;<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Ai se eu te
fizesse<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">E você quisesse<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Ficar ao pé de mim.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Ai se a voz só
subisse,<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Se tua boca
sorrisse<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Sem me negar, só
com sim; <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Ai se o tom não
caísse,<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Se o teu olho me
visse<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Ali, pintada em
nanquim.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Ai se eu só não
enrolasse<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Talvez eu não
precisasse<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Rimar barato assim;<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Ai se você
terminasse<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Talvez eu nem
começasse<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">A fazer pelo fim.</span><span style="font-size: medium;"><o:p></o:p></span></div>
<br />
<br />Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-24634787986400800312012-12-27T22:40:00.002-08:002013-05-16T20:42:44.281-07:00RômuloRealmente raro rodando rotundo<br />
Ralhando ralado, riscando o mundo<br />
Revendo rasgado repassa retundo<br />
Recria respaldo, resgata do fundo<br />
Rima errante e ri rubicundo<br />
Relevante, revela, se faz num segundo.Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-14101052748022660822012-12-21T08:50:00.001-08:002012-12-21T08:50:46.814-08:00HiatoAtrasado e sorrateiro<br />
Sem estrondo, tudo mudo<br />
Veio assim o fim do mundo.Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-12483470174273148012012-12-18T15:00:00.000-08:002013-04-10T11:12:29.233-07:00Rotina<div style="text-align: justify;">
Ele estava atrasado. Como em todos os outros dias daquele
mês ou ano, quem sabe. Sentia como se vivesse atrasado, hora após hora, sem
nunca encontrar quem o ajustasse. O relógio ria-se dele sem nenhuma demonstração
de piedade. Saiu da cama e tropeçou nos próprios pés. Correu para lavar o
rosto, se vestir, tomar café. Não havia café. Escovou os dentes como se só
existissem dois deles e procurou as chaves. Onde diabos estavam as chaves?
Andou pela casa toda sem encontrar. Daí, quando já ia desistir, ouviu o tilintar delas no bolso. Mais
frustrado que raivoso saiu batendo a porta e em três passos chegou ao elevador.
Ouviu alguém avisando discretamente que estava quebrado. De novo. Pensou em
faltar ao trabalho só para poder dizer umas poucas e boas para a droga do
síndico. Seriam muitas e ruins na verdade. Sorriu pelo próprio pensamento infantil e
desceu os cinco lances de escada correndo. Mais que ofegante, chegou ao
estacionamento. Entrou no carro sem responder ao bom dia do vizinho, se
preparou para o trânsito. Na rua, assim que encontrou a brecha por entre os carros
acelerou o quanto pode e prosseguiu mesmo que não pudesse. Continuava atrasado.
Ouviu reclamações, xingamentos. Devia ter feito algo errado. Dane-se. Continuou
correndo até ver que o relógio gargalhava. Levantou os olhos, perdeu o controle
do carro, escutou a batida e tudo parou de rir.</div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Ela
estava acordada. Sem conseguir dormir, levantou com o despertador ainda
cochilado. O céu se mostrava naquele tom preguiçoso dos fins de madrugada,
quando os outros sonham em nunca mais acordar. Ela não. Vagava
pelos cômodos vazios sem pensar, andando automaticamente. A xícara de
café na mão já era a terceira. Ligou a TV mas não prestou atenção no que
diziam os repórteres fantasticamente dispostos. Observou lá fora as ruas despertarem, devagarinho, como quem se
espreguiça lentamente. Tomou o banho, vestiu-se alheia ao que fazia. Os movimentos vinham
coreografados, já gravados de outras insônias. Pensou em experimentar o café de
novo mas ele estava frio. Pensou em esperar para sair. Ia chegar muito cedo.
De novo. Quem sabe pegasse trânsito? Saiu lentamente, esperou o elevador e
desceu. O vizinho ia comentando sobre o tempo e ela concordando com tudo, sem
ouvir coisa alguma. Na garagem, esperou uns minutos dentro do carro enquanto tocavam
aquela música incrível na rádio. Já na rua dirigiu com cautela nunca antes
vista. Era procrastinação. Adiava a chegada o quanto podia, mas o relógio só
parecia atrasar. Olhou pra ele contrariada e suspirou. Levantou os olhos, sentiu a batida e prendeu a respiração.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> Ele estava
sentado no asfalto, ela no banco do motorista. Ele segurava a cabeça com as
duas mãos, a dela estava sobre o volante. Ele
olhava o relógio, o dela tinha quebrado. Faziam perguntas a ele, ela não escutava. Ele viu os curiosos invadindo o local,
ela parecia não ter notado. Ele ia ser demitido. Ia ser expulso, barrado,
julgado, impedido de entrar. Ela ia ser admitida em qualquer outro lugar que
não aquele. Ia ser retirada, levada, carregada dali. Ele sentia sede. Sentia
sede, dor, medo, vergonha, raiva. Ele sentia impaciência. Ela não sentia mais
nada. </span><span style="font-size: medium;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-27405512193507491922012-11-09T18:22:00.002-08:002012-11-09T18:22:53.009-08:00DireitoEu tenho todo o direito<br />
De fazer do meu jeito<br />
E colocar sempre defeito<br />
No comportamento alheio.<br />
<br />
Dum ponto de vista estreito<br />
Eu faço sempre bem feito<br />
Sem crítica ou displicência, é perfeito<br />
O meu inteiro é o seu meio.<br />
<br />
Ainda assim, eu confesso,<br />
De tempos em tempos eu erro<br />
Em precisão que não meço.<br />
<br />
Do mesmo modo me elejo<br />
E eu só critico o sujeito<br />
Que em política é esquerdo.<br />
<br />Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-2327975225053453942012-10-23T20:29:00.002-07:002017-05-02T14:39:14.772-07:00Arrisca<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="line-height: 115%;"> Só
queria escrever. Queria só formar palavras. Queria falar com as mãos, num
movimento </span>único e descompassado. Queria deslizar o instrumento de
escrita, breve e forte, por todo aquele papel demarcado, saindo dos limites
inexistentes, pousando aqui e ali, sem saber onde. Queria que lhe implodissem o
cérebro em ideias e ideais sem compromisso. Queria sujar de grafite, de saliva, suor, sangue e lágrimas. Queria muito não querer coisa alguma pra
ver-se livre de tudo o que nem sequer prendia. Queria rasgar, perfurar,
triturar com o traço fino, físico, curvilíneo. Queria tentar. Tentava. Com afinco, num esforço
bruto e impassível. A testa franzida, os dedos apertados, dava voltas sem
sucesso por um caminho reto. E tentava ainda, sem conseguir resultado,
que aquilo desse certo. Só queria escrever. Mas querer não é poder. Admitiu a
derrota. Foi arranjar outra caneta, aquela estava sem tinta. </span><o:p></o:p></div>
</div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-43619345786298172152012-09-22T09:15:00.000-07:002013-07-05T19:27:54.621-07:00Foi<span style="font-family: inherit; text-align: justify;"> O dia ia lento. O homem ia lento. As pessoas todas iam
lentas. Iam lentos os carros, as pernas, as patas. Ia lento o relógio. O céu?
Lento. As nuvens e o vento, lentíssimos. Iam também lentos os peitos,
arfando lentamente. Lentas iam as lágrimas, pelas bochechas lentas. Iam lentos
os olhos. Lentos também iam os ressentimentos. Ia lenta a vida.</span><br />
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> O dia ia
cinza. O homem ia cinza. Iam cinzas as ruas. Os prédios também, cinzas. A fumaça?
Cinza. Um punhado de cinzas se justificando no ar. As roupas todas cinzas, em
conjunto com as sarjetas, as calçadas, os mendigos. Cinzas iam as
crianças. As pedras iam cinzas, cinzas iam as esculturas. A chuva ia
toda cinza. Ia cinza a vida.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"> O dia ia
morto. O homem ia morto. Iam mortas as flores. Iam mortas as velas, as rezas,
os crucifixos. Ia morto o passo. O cortejo? Morto. Os lamento e pesares, </span>motíssimos<span style="font-family: inherit;"> Ia morta a pá e o coveiro, as lápides e os canteiros. Iam mortas
as palavras. Se haviam sorrisos pode-se dizer que iam mortos. Iam mortas as
almas e os corpos, que se sustentavam vivos só para verem uns aos outros indo
mortos. Os sussurros iam mortos. O silêncio ia morto e mortas iam as
saudades. Ia assim a vida.</span><span style="font-size: medium;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-78073289620451520422012-09-19T21:13:00.002-07:002012-09-19T21:13:57.134-07:00SalSeguir só,<br />
Sonhar<br />
Soar só,<br />
Sonar<br />
Subir só,<br />
Sentar<br />
Sangrar só,<br />
Salvar<br />
Sumir só,<br />
Selar<br />
Singrar só,<br />
Soltar<br />
Sentir só,<br />
Sobrar<br />
Suar só,<br />
Salgar<br />
Secar sal,<br />
Do mar.Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-23987759727523097992012-07-25T16:58:00.000-07:002012-07-25T16:58:00.392-07:00EscritaFraseando a torto e a direito<br />
Dou minha palavra<br />
De causa e efeito.<br />
<br />Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-56889133262155668422012-06-05T11:35:00.002-07:002012-06-05T11:35:31.011-07:00Telefonema<i>Diálogo 3</i><br />
<br />
<br />
-Alô?<br />
-Alô. Aqui quem fala sou eu.<br />
-Ah, você. E como é que vai?<br />
-Vou indo, e o senhor?<br />
-Ótimo, resplandecente, agradecido. E o colega?<br />
-Vou em frente, seguindo. E o companheiro?<br />
-Feliz, agraciado, terminantemente contente. E o outro?<br />
-Na normalidade, mediocremente. E o amigo?<br />
-Não podia estar melhor. O caro?<br />
-Molemente, cabisbaixo. E o saudoso?<br />
-Bem. E o rapaz?<br />
-Cedendo e sedento. E o prezado?<br />
-Pensativo, morno. E o querido?<br />
-Caminhando sempre. E o estimado?<br />
-Já não sei bem... qual foi mesmo a pergunta?Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-14729412630084008082012-05-03T12:28:00.001-07:002012-05-03T12:28:15.438-07:00AdjetivoO altruísmo puro de poder dizer<br />
Que "bonito" pra mim<br />
É você.Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-38301507192493496632012-05-02T11:30:00.000-07:002013-04-10T11:21:13.905-07:00Narciso<div style="text-align: justify;">
Lá na Lapa tinha um Narciso. Não na Lapa carioca, terra morena e salgada. Não, era na Lapa de São Paulo. Da garoa, do cinza e do chumbo, do trânsito, da pressa e do céu vermelho-poluição. Lá na Lapa tinha um Narciso. E era bonito o Narciso, de pele morena pouco afetada pelo sol, de rosto firme e de corpo definido. "Um boneco", como dizia sua mãe. As moças todas adoravam Narciso (e até mesmo alguns moços). Ele não reparava. E era sempre bem-vindo em qualquer lugar, desde que mostrasse aquele sorriso grande e branco, que fazia o fôlego fugir. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas ninguém adorava mais Narciso que ele mesmo. Ninguém acariciava melhor o ego de Narciso que ele mesmo. Ninguém roubava mais o fôlego de Narciso que ele mesmo. Ele era Narciso, ele gostava de ser Narciso, ele precisava ser Narciso. Ninguém merecia ser Narciso se não ele. Até mesmo aquele da história, que morrera tentando amar a si e somente si, não parecia merecer o privilégio de ser Narciso. Que bobagem morrer tentando alcançar um reflexo! O reflexo de Narciso é que tinha de alcançá-lo, tocá-lo, senti-lo. Sofrer por ele até definhar, devagarzinho, mansamente. Narciso gostava mesmo é de se refletir no espelho, o tempo todo, perscrutando cada traço, descobrindo mudanças e mudando só pra melhor, se é que fosse possível.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um dia Narciso se atrasou. Atrasou-se na rua, sem espelho, sem reflexo, sem ele. O dia o atrasou, e Narciso não gostava de se atrasar. Queria ser pontual, sempre no ponto certo de si mesmo. Mas ai, como era triste o atraso. E correu pela rua, tentando encontrar um pedaço de vidro ou uma fonte cristalina que o refletissem sem erro. Não achou. Olhou dum lado pro outro e só o que viu foi nada. De repente um reflexo. Lindo. Macio, cristalino, exuberante. Narciso se deslumbrou. Só que não era de Narciso o reflexo. Ele nem sabia de quem era. E, de repente, outro. E outro. Mais outro. E atrás de si passavam deslumbres, maravilhas, que não eram Narciso. Ele se assustou. Como poderia haver alguém mais belo que Narciso? Havia. E eram muitos. Jorravam pelo vidro, de um lado para o outro, sem se preocuparem em reparar em Narciso ou no que ele via. </div>
<div style="text-align: justify;">
Narciso não voltou para casa naquele dia. Ficou pasmo, embasbacado e atônito com a beleza que o rodeava por todo lado, na qual ele nunca havia reparado. Foram encontrá-lo no outro dia, sentado, o pobre, agarrado ás pernas, boquiaberto e estupefato, deslumbrando-se por inteiro diante dum reflexo que não era o seu.</div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-26782317390998180652012-04-22T12:03:00.000-07:002013-04-10T11:23:52.966-07:00Eu<div style="text-align: justify;">
Parece bizarro. Qualquer um que olhe pode ver, mas tem que ser visto corretamente. Não se sabe ao certo o que seria se não fosse aquilo, mas muito já se pensou sobre. Alguns elogiam. Acham engraçadinho, conformadinho, dentro de um padrão que ele não estabeleceu. Outros diferem. Acham peculiar por demasia, não aprovam e preferem não olhar por muito tempo. Todo mundo tem um, mas ninguém se satisfaz em ver o próprio. É preciso olhar o dos outros, devagar e divagando. Fazer com que, de algum modo, olhem também para o seu.</div>
<div style="text-align: justify;">
É incrível. Divertido, invertido e atrevido, olha fixamente para quem o olha de volta, encarando firmemente como quem estuda uma feição para imita-la. E imita. É cheio disso, daquilo, de tudo e de não-sei-quês. Se lhe desviam o olhar, retribui do mesmo modo, de modo que não se vê o que ele está olhando de modo algum. Ficar próximo só faz distrair e se atrair, mas não é difícil de trair por uma ou outra imperfeição. Não é nem de longe perfeito (muito menos de perto), mas necessita-se conviver com ele. Alguns convivem tanto que ele parece se o único motivo para viver. Ao diabo com os outros! E os outros nem sempre se apaixonam pelo seu de posse, passando a tentar torná-lo igual aos alheios.</div>
<div style="text-align: justify;">
E ele sempre ali. Observando, imitando, prosperando, chafurdando em si e sendo. E é. Nem se sabe defini-lo mas ele está sempre em alta definição. Em alta. Ele nunca sai de moda, está sempre dentro dela, e quem quer retirá-lo? Basta olhar pra ele e ver o que tenta ser. Mostra exatamente o que se é, justificando sua alcunha de reflexo. Refletindo-o aqui, em minha frente, percebo que ele talvez seja eu.</div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-77887563283641640272012-04-18T10:27:00.000-07:002013-04-09T21:25:46.787-07:00No meioNo meio do caminho tinha uma pedra<br />
Bem ali, no meio.<br />
Tinha uma pedra no meio do caminho.<br />
Tinha.<br />
<br />
Mas eu chutei a pedra.<br />
Eu afastei a pedra.<br />
Eu afanei a pedra.<br />
Eu difamei a pedra.<br />
<br />
Tem uma pedra na beira do caminho.Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-24617195009438145382012-04-13T11:15:00.000-07:002013-04-10T11:48:17.068-07:00Encarnação<div style="text-align: justify;">
Todo mundo a conhecia. Tratavam-na por Dona. De que eu não sei; levando aquela vida simples não parecia ser dona de nada. Mas assim a tratavam. Morava ali, sozinha, na esquinazinha, não sabe onde é? Todo mundo sabia. Dona Encarnação conhecia todo mundo. Conversava com os rapazes na rua, que a cumprimentavam sempre do mesmo modo, acenando com a cabeça. Elogiava as moças, que lhe traziam doces e salgados de graça e ela só precisava colocar na conta de Deus. Brincava com as crianças, que sentavam em seu colo, lhe pediam por histórias e as ouviam sem dizer uma palavra que fosse, exclamando apenas com os olhos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Dona Encarnação era de todos. Precisasse o menino de ajuda ela dava. Carecesse a moça de conselho lá estava. Até os homens e mulheres já maduros e com tempo de vida gasto iam até ela pra desabafar e pra que fossem desabafados. Ela sempre ali, com os olhos pesados e o sorriso presente, nunca negando nada, sempre se doando toda. E amavam-na. E ela amava. Sem excluir ninguém, sem esquecer nada, mesmo com a memória já falha. Não sabiam de onde viera. Ela não tinha ninguém, mas todos a tinham. Aparecera por ali pra viver e pra ser vivida por quem quisesse. Desde que chegara, unira a vizinhança por um amor indelével e fraterno. Saía todos os dias e se sentava no quintal da frente, em sua cadeira de balanço, acompanhando a vida externa diariamente como quem acompanha uma dessas novelas de televisão que interessam um país inteiro. </div>
<div style="text-align: justify;">
Um dia não saiu. Esperaram o dia todo, os transeuntes, estranhando a ausência dela que já era um patrimônio particular do bairro, um monumento que piscava e respirava. Chamaram-na; não respondia. Preocupou-se toda uma vizinhança. Os rapazes escalaram o muro e arrombaram a porta. As moças ofegavam. Cautelosamente entraram e percorreram a casa, com a própria palpitação quase ensurdecendo-os. Foram encontrar dona Encarnação sentada em sua cadeira, com a cabeça pendente sobre o corpo desvanecido. Desencarnou.</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-60112244243728016312012-04-09T20:57:00.000-07:002013-05-16T20:43:09.568-07:00Ode ao sonoComposto de vogais (Uaaah!)<br />
Imposto por vagais<br />
Driblando as verticais;<br />
O sono.<br />
<br />
Sentido por fiscais<br />
Levado aos imorais<br />
Inércia de imortais;<br />
Eu sonho.<br />
<br />
Inspirando sempre mais<br />
Amolecendo os vocais<br />
Leis paradoxais;<br />
Proponho<br />
<br />
Que se deite sem multa,<br />
Que de sono se cubra,<br />
E mesmo levando a culpa:<br />
Eu durmo.<br />
<div>
<br /></div>
Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-62968034784978291332012-03-18T20:14:00.002-07:002012-03-20T06:26:28.282-07:00Ao péNunca pediu espaço<br />
E num apertado é que fica<br />
Seus membros, emaranhados<br />
A custo de uma bela vista.<br />
E tão importante é<br />
Que nunca lhe dão apreço<br />
Masoquista, desgasta e fere<br />
Nunca ao outro, a si mesmo.<br />
Corre pra chegar lá,<br />
Volta pra não sair,<br />
Fica pra não voltar,<br />
Deita pra não cair.<br />
Pisa sem esmagar,<br />
Da ponta, da sola, do peito<br />
Calcanhar<br />
É d'água, de planta, de sei-que-lá<br />
Faz nada pra se mostrar.<br />
O choro é só suor<br />
Suor é só penar<br />
Penar que é só ardor<br />
Arder até cansar.<br />
Na fotografia não se vê<br />
Na estátua ele não está<br />
Na rua vai caminhar,<br />
Faz hora pra se perder.<br />
E fica pra sustentar<br />
Quem lhe agradecido não é<br />
Erectus, se diz o Homo<br />
Só porque está em pé.Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-8618307055822905660.post-89208936972408368252012-03-12T12:22:00.002-07:002012-03-12T12:26:25.525-07:00Telefonema <i>Diálogo 2</i><br />
<i><br />
</i><br />
<span style="font-family: inherit;">-Alou quem fala?</span><br />
<div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Sou eu meu camarada!<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Seria quem eu estou pensando?<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Se for eu, então seria sim.<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Mas há quanto tempo!<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Sim, saudosa alegria de conversar novamente contigo, amigo!<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-E olha que digo o mesmo! Senti saudades!<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Não mais que eu, posso apostar (e risada).<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-E como não! Estava inda agora, ou há algum tempo, tanto faz, imaginando por onde andava o caro! Senti amargas faltas.<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Pois eu digo ao amigo que é impossível que tenha sentido mais faltas que eu. E digo ainda mais, que continuo as sentindo.<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Julga o camarada que sou mentiroso? Pois olha que digo a verdade e ela é grande!<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Mas não coloque palavras onde não cabem! Nunca disse nada disso, se bem me parece que quem julga o outro por engabelador é o companheiro...<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-E tem a audácia? Nunca que diria algo assim. Pois saiba o digníssimo que senti saudades da camaradagem, mas parece que o camarada não é o mesmo, se é o que percebo!<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Diz-me então de falso? Ora bolas, mais essa. Se quer saber, falsidade é o que escuto passando pela linha! Deixe de ser recalcitrante!<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Recalcitrante eu? Pois o senhor que me vem com conversas fiadas e rompe toda a beleza da ligação que vim fazer. E não ligo mais, saiba desta outra!<o:p></o:p></span></div><div style="margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm;"><span style="font-family: inherit;">-Que não ligue! Saudades de antítese personificada é que não vou sentir. Onde já se viu algo assim? Passar bem.</span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;"><o:p></o:p></span></div><br />
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(Inspirado em "Prazer em conhecê-lo", de Carlos Drummond de Andrade)Giovana Amorimhttp://www.blogger.com/profile/00579894673769816444noreply@blogger.com1