quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Rômulo

Realmente raro rodando rotundo
Ralhando ralado, riscando o mundo
Revendo rasgado repassa retundo
Recria respaldo, resgata do fundo
Rima errante e ri rubicundo
Relevante, revela, se faz num segundo.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Rotina

   Ele estava atrasado. Como em todos os outros dias daquele mês ou ano, quem sabe. Sentia como se vivesse atrasado, hora após hora, sem nunca encontrar quem o ajustasse. O relógio ria-se dele sem nenhuma demonstração de piedade. Saiu da cama e tropeçou nos próprios pés. Correu para lavar o rosto, se vestir, tomar café. Não havia café. Escovou os dentes como se só existissem dois deles e procurou as chaves. Onde diabos estavam as chaves? Andou pela casa toda sem encontrar. Daí, quando já ia desistir, ouviu o tilintar delas no bolso. Mais frustrado que raivoso saiu batendo a porta e em três passos chegou ao elevador. Ouviu alguém avisando discretamente que estava quebrado. De novo. Pensou em faltar ao trabalho só para poder dizer umas poucas e boas para a droga do síndico. Seriam muitas e ruins na verdade. Sorriu pelo próprio pensamento infantil e desceu os cinco lances de escada correndo. Mais que ofegante, chegou ao estacionamento. Entrou no carro sem responder ao bom dia do vizinho, se preparou para o trânsito. Na rua, assim que encontrou a brecha por entre os carros acelerou o quanto pode e prosseguiu mesmo que não pudesse. Continuava atrasado. Ouviu reclamações, xingamentos. Devia ter feito algo errado. Dane-se. Continuou correndo até ver que o relógio gargalhava. Levantou os olhos, perdeu o controle do carro, escutou a batida e tudo parou de rir.
   Ela estava acordada. Sem conseguir dormir, levantou com o despertador ainda cochilado. O céu se mostrava naquele tom preguiçoso dos fins de madrugada, quando os outros sonham em nunca mais acordar. Ela não. Vagava pelos cômodos vazios sem pensar, andando automaticamente. A xícara de café na mão já era a terceira. Ligou a TV mas não prestou atenção no que diziam os repórteres fantasticamente dispostos. Observou lá fora as ruas despertarem, devagarinho, como quem se espreguiça lentamente. Tomou o banho, vestiu-se alheia ao que fazia. Os movimentos vinham coreografados, já gravados de outras insônias. Pensou em experimentar o café de novo mas ele estava frio. Pensou em esperar para sair. Ia chegar muito cedo. De novo. Quem sabe pegasse trânsito? Saiu lentamente, esperou o elevador e desceu. O vizinho ia comentando sobre o tempo e ela concordando com tudo, sem ouvir coisa alguma. Na garagem, esperou uns minutos dentro do carro enquanto tocavam aquela música incrível na rádio. Já na rua dirigiu com cautela nunca antes vista. Era procrastinação. Adiava a chegada o quanto podia, mas o relógio só parecia atrasar. Olhou pra ele contrariada e suspirou. Levantou os olhos, sentiu a batida e prendeu a respiração.
   Ele estava sentado no asfalto, ela no banco do motorista. Ele segurava a cabeça com as duas mãos, a dela estava sobre o volante. Ele olhava o relógio, o dela tinha quebrado. Faziam perguntas a ele, ela não escutava. Ele viu os curiosos invadindo o local, ela parecia não ter notado. Ele ia ser demitido. Ia ser expulso, barrado, julgado, impedido de entrar. Ela ia ser admitida em qualquer outro lugar que não aquele. Ia ser retirada, levada, carregada dali. Ele sentia sede. Sentia sede, dor, medo, vergonha, raiva. Ele sentia impaciência. Ela não sentia mais nada.