O
crachá ia do lado direito do peito com as letras todas maiúsculas.
Era preferível assim, já que os passageiros podiam olhar pelo
retrovisor pra se certificarem enquanto se balançavam nos assentos. Eles nunca
se certificavam. Vinte e sete anos, nenhuma checagem. Pelo menos nenhuma de que
ele se lembrasse. Uma única vez um conhecido o chamara pelo nome e ele nem se lembrava
de qual conhecido era. No restante do tempo era só o Motorista.
Não importavam as pessoas nem os lugares, sotaques, estados de espírito. O modo
como todos o chamavam de motorista pelas costas deixou de
incomodá-lo depois de algum tempo. Era isso o que ele era. O motorista. Pronto
para guiar, ultrapassar, diminuir, parar. Antes, com tal zelo, sempre e tanto,
sem nunca deixar de ser mais do que o homem do volante, o senhor da estrada
contido em um nome comum, plural, fácil.
Difícil de pronunciar parecia ser o agradecimento que nunca vinha. Não
que ele esperasse vir nem que não esperasse. Já tinha passado da idade de
esperar qualquer coisa além do dia da folga. Era o motorista. Se olhando no
espelho era só o que via. Não era o único. Seguia sendo o motorista, seguindo
sempre a estrada, sem agradecimento, sem nome, sem rosto que não fosse o seu.
Barulho. O período da tarde era o pior
já que o sol batia na cara de todos e ninguém se lembrava de dormir. Falavam.
Acordados no ônibus cheio, os passageiros se rebelavam contra as dormências do
corpo castigando os músculos da boca, gastando saliva uns com os outros. Não
com ele, nunca com o motorista. Mas deixar de escutar ele não podia.
Escutou até o penúltimo ponto. Em meio aos discursos restantes o sinal de
parada foi dado. O ônibus parou e as portas se abriram daquele modo que só elas
sabem. Lentamente, com calma, preparando quem fosse descer. Ninguém desceu. Ele
olhou para trás e não conseguiu ver, em meio aos passageiros, quem se
voluntariasse a sair. Só conseguiu ouvir. Do meio do ônibus vinha o lamento da
mulher que pedia, quase implorando, que o filho fosse com ela. O menino se
recusava, bradando algo que se referia ao homem do volante. "Deixa!"
sugeriram. A mãe deixou. Pelo retrovisor ele observou o menino se
aproximar, aos pulos, dizendo algo que ele demorou em entender.
- Obrigado motorista!
Silêncio interno. Sai o menino. O ônibus volta a rodar. O crachá vai do lado
direito do peito mas ele não consegue mais divisar as letras. Sabe o que é e se
orgulha. Não precisa saber mais nada. É o motorista. Só isso.
Como é bom ler seus escritos, menina Giovana. Gosto do modo como você escreve.
ResponderExcluirE o indispensável, nesse caso, foi agradecer ao motorista. Faz pensar muito, gostei.
Um beijo,
Dani.
como seria bom se todos que utilizam se de onibus tivessem tal educação e cordialidade!!! com certeza nosso mundo seria bem melhor!!!
ResponderExcluircomo seria bom se todos que utilizam se de onibus tivessem tal educação e cordialidade!!! com certeza nosso mundo seria bem melhor!!!
ResponderExcluir