Ainda vão me matar numa rua
Quando descobrirem,
principalmente,
que faço parte dessa gente
que pensa que a rua
é a parte principal da cidade.
(Leminski)
O homem estava sentado. Por minutos a fio o homem permanecera sentado, com as mãos segurando o queixo e o os olhos vidrados na rua. A rua, em pé, corria. De ambos os lados, dum lado pro outro, fazendo o barulho de milhares de rodas, línguas e almas. O homem não ouvia. Pela primeira vez em anos estava sentado de frente para a rua, os olhos abertos a boca fechada. A rua o engolia sem atentar para ele. O homem sugava a rua. Sentado como nunca antes, o homem sorria. A rua não. Dura, horizontal e fria continuou séria. Não era do homem, ele era dela.
O homem sentado sentiu no bolso do paletó o chamado: levanta-te e anda. Seus pés obedeceram de pronto, ele não. A rua passava. O homem estava de pé, ainda que não percebesse. O homem estava atrasado mas queria alcançar a rua. Amava a rua. Amava quem ela era, quem era dela. Queria ser também. Queria ser os pés que nela andavam e as cabeças que nela dormiam. Por anos estivera de pé entre quatro paredes e doze andares sem que pudesse obtê-la. Só quando parou e sentou é que chegou até ela. Agora estava novamente em pé, mas, mais do que isso, de pé em frente a rua.
É sua, vai buscar! Ele foi. O homem perseguiu a rua e entrou nela como se achasse a saída. O homem encheu os olhos de água; estava em pé mas estava na rua. A rua impassível não ia deixar que ele passasse. O homem em pé ousou mais do que ela permitiria. A rua era um milhão ele era um. Era um homem em pé. O homem em pé beijou a rua. A rua reagiu, severa. A rua castigou o homem em pé. O homem estava deitado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário